sexta-feira, 11 de maio de 2018

Etiópia ... Os desígnios do imperialismo europeu para com a integridade territorial ...

Os desígnios do imperialismo europeu para com a integridade territorial e a independência da Etiópia não eram menos diabólicos do que aqueles que vitimaram a Libéria. Seu início remonta a 1869, ano em que um lazarista italiano, Giuseppe Sapeto, comprou a um sultão local o porto de Assab, no Mar Vermelho, pela soma de 6 mil táleres de Maria Teresa. O porto tornouse propriedade de uma companhia de navegação italiana, a Società Rubattino, e, em 1882, foi declarado colônia italiana.
Malgrado o patriotismo e a inabalável fidelidade à Igreja Ortodoxa Etíope, o imperador Yohannes, de início, interessou -se menos pela chegada dos italianos do que pela partida dos egípcios38. Estes dominavam então a maior parte das margens africanas do Mar Vermelho e do golfo de Áden, bem como o interior imediato, inclusive o porto de Massawa e a cidade de Harar. Mas o Egito, ocupado pelos ingleses em 1882, estava às voltas com a rebelião do Mahdī Muhammad Ahmad, irrompida no Sudão, que obrigou o Reino Unido a retirar dali, em 1883, as tropas egípcias e inglesas que lá se encontravam. Dessa forma, a dominação egípcia entrou em colapso em toda a região costeira do Mar Vermelho e do golfo de Áden, limítrofes à Etiópia. O Reino Unido pediu ajuda a Yohannes para evacuar tropas egípcias e europeus que se encontravam em várias cidades sudanesas sitiadas pelos mahdistas. Ao contra-almirante William Hewett, oficial inglês incumbido das negociações com o imperador, Yohannes prometeu ajuda, com a condição de que os territórios recentemente ocupados pelos egípcios na fronteira sudanesa fossem devolvidos à Etiópia, bem como o porto de Massawa.
A primeira condição foi aceita, mas, quanto a Massawa, os ingleses prometeram à Etiópia apenas o direito ao trânsito livre de mercadorias, inclusive armas e munições, “sob proteção britânica”39. O acordo foi consignado em um tratado concluído a 3 de junho de 1884, depois do que o extraordinário cabo de guerra etíope ras Alula foi libertar seis guarnições sitiadas no Sudão.
O acordo, no entanto, não durou muito. Efetivamente, a 3 de fevereiro de 1885, os italianos tomavam Massawa, sob aprovação dos ingleses. Estes favoreciam a expansão italiana, na esperança de que ela prejudicasse a dos franceses, então seus principais rivais na corrida para a África. O contra -almirante italiano Caimi, no comando da ocupação de Massawa, declarou aos habitantes que ela se dava com o consentimento da Inglaterra e do Egito e prometeu “não só respeitar a liberdade de comércio, mas fazer todo o possível para facilitá -la”.
Logo se veria que tais promessas não tinham valor algum. Os italianos impediram que armas destinadas a Yohannes fossem a ele entregues e deslocaram-se interior adentro, até as aldeias de Sahati e Wia. O ras Alula protestou contra a invasão, mas a única resposta dos italianos foi erguer fortificações nas zonas disputadas e enviar para lá reforços, os quais foram porém interceptados por Alula em Dogali, no mês de janeiro de 1887. Os invasores evacuaram então Sahati e Wia, mas, como vingança ao “massacre” de Dogali, bloquearam a costa etíope.
A guerra parecia iminente. A Itália, no entanto, receando as dificuldades de uma expedição militar em um país montanhoso como a Etiópia, apelou para a mediação do Reino Unido. Um diplomata inglês, sir Gerald Portal, foi enviado para solicitar ao imperador que concordasse com a ocupação de Sahati e Wia pelos italianos e também de Senahit ou Bagos, região que os egípcios tinham abandonado em 1884. O imperador Yohannes respondeu sem rodeios: Não farei nada disso. Pelo tratado celebrado com o almirante Hewett, toda a região que os egípcios evacuaram próxima a nossas fronteiras me foi cedida por instigação do Reino Unido. E agora deseja que eu renuncie a ela?
Irritado pelo fato de o Reino Unido mudar de posição a respeito do tratado Yohannes escreveu à rainha Victoria declarando que, se ela queria a paz, era preciso antes de tudo que os italianos ficassem no país deles e os etíopes no seu.
Em face da iminência da guerra com a Itália, para reforçar a defesa Yohannes convocou as tropas que guarneciam a fronteira sudanesa, deixando-a desprotegida.
Os mahdistas então atacaram por esse lado. O imperador acorreu a Matamma para detê-las mas, ao final de uma vitoriosa batalha travada em 10 de março de 1889, foi mortalmente atingido por uma bala perdida. A morte do imperador determinou o esfacelamento de seu exército. Houve grande confusão, especialmente no norte da Etiópia, pelo fato de vários flagelos abaterem-se ao mesmo tempo sobre o país: a peste bovina e a carestia, seguidas de epidemias de varíola e de cólera.
Durante esse período de dificuldades, os italianos avançaram rapidamente pelo interior do país. No final de 1889, ocupavam parte do planalto do norte, onde estabeleceram a colônia da Eritréia, com capital em Asmara.
Durante a brava resistência do imperador Yohannes à agressão italiana e egípcia, o governador de Shoa, Menelik, embora por princípio devesse obediência ao imperador, mantinha relações cordiais com a Itália. E emprestava grande valor a essas relações porque, por intermédio do conde Antonelli, representante italiano numa corte onde não havia outros diplomatas estrangeiros, obtinha acesso à técnica europeia. Além disso, a Itália remeteu a Shoa vários médicos e grande quantidade de armas de fogo. A amizade com a Itália também permitiu a Menelik conquistar, na qualidade de rei de Shoa (1865-1889), as ricas regiões de Arussi, Harar, Kulo e Konta, a sul e a sudeste, e Gurage e Wallaga, a sudoeste.
Já para os italianos o apoio de Menelik era útil, mas não indispensável – a longo prazo – a seus planos de expansão. A 2 de maio de 1889, menos de dois meses após a morte de Yohannes, um tratado de paz e de amizade marcava o apogeu das boas relações entre Menelik e a Itália. Foi assinado na aldeia etíope de Wuchale.
O tratado de Wuchale (Uccialli, em italiano), que devia marcar o ponto decisivo nas relações entre os dois países, continha dispositivos favoráveis a ambas as partes. Menelik reconhecia a soberania da Itália sobre a maior parte do planalto da Eritréia, abrangendo Asmara, e a Itália reconhecia Menelik como imperador – tratava -se do primeiro país a fazê -la –, prometendo -lhe o direito de importar, através da Eritréia, armas e munições. O mais importante trecho do tratado, no entanto, o artigo 17, se prestaria a contestações. Havia duas versões do tratado, uma em amárico e outra em italiano, e o artigo 17 apresentava sentido diferente em cada versão. De acordo com o texto em amárico, a Etiópia poderia recorrer à intermediação das autoridades italianas se quisesse estabelecer relações com
outros países; o texto italiano tornava esse recurso obrigatório.
Embora, de acordo com a versão italiana do tratado, a Itália pretendesse estabelecer um protetorado na Etiópia, as relações entre os dois países permaneceram boas por vários meses48. Em julho de 1889, Menelik enviou à Itália seu primo, o ras Makonnen, governador de Harar, para discutir a aplicação do tratado. Enquanto isso, sob o comando do general Baldissera, os italianos continuavam seu avanço pelo planalto da Eritréia, já pondo em prática os termos do tratado. Em 2 de agosto, Baldissera proclamou a ocupação de Asmara.
No dia 2 de outubro, em Roma, Makonnen assinou um acordo adicional: a Itália reconhecia mais uma vez o título de imperador de Menelik, enquanto este reconhecia a soberania italiana sobre a colônia do Mar Vermelho, nos limites das fronteiras que ela já possuía. Além disso, a Itália emprestaria à Etiópia 4 milhões de liras.
Quase imediatamente, porém, todo o projeto de cooperação teve de ser abandonado, pois no dia 11 de outubro o ministro das Relações Exteriores da Itália, Crispi, declarou que, “conforme o artigo 34 do tratado perpétuo [...] S. M. o rei da Etiópia aceita os bons ofícios de S. M. o rei da Itália para tudo quanto diz respeito às relações da Etiópia com outras potências ou governos”.
Embora a declaração de Crispi estivesse formulada em termos indiretos, era inequívoco que a Itália afirmava seu protetorado sobre a Etiópia. Como era de esperar, a pretensão italiana logo foi reconhecida pelas potências europeias: daí por diante, as cartas geográficas impressas na Europa passaram a designar a Etiópia pelo nome de “Abissínia italiana”. Quando, a 3 de novembro de 1889, Menelik anunciou às potências europeias que seria coroado imperador, deram-lhe a mortificante resposta de que, sendo a Etiópia um protetorado, não podiam estabelecer relações com ela a não ser por intermédio da Itália. Em 24 de março e 14 de abril de 1891, e em 5 de maio de 1894, o Reino Unido assinou com a Itália três protocolos que fixavam as fronteiras do pretenso protetorado com as colônias inglesas.
Enquanto isso, para apoio de suas pretensões, os italianos avançavam pelo norte da Etiópia, da Eritréia ao Tigre. Ultrapassaram os limites anteriormente convencionados, cruzaram o rio Mareb e ocuparam a cidade de Adowa em janeiro de 1890. Comunicaram depois ao ras Mangacha, governador da província de Tigre e filho de Yohannes, que ocupariam Adowa enquanto Menelik não aceitasse a interpretação por eles dada ao tratado de Wuchale.
Menelik recusou -se a ceder. Em 27 de setembro de 1890, escreveu ao rei Humberto I da Itália haver descoberto que as duas versões do artigo 17 possuíam sentidos diferentes.
Quando assinei esse tratado de amizade com a Itália”, dizia ele, “declarei que, como
éramos amigos, nossos assuntos na Europa poderiam ser resolvidos com a ajuda do
rei da Itália; mas disse isso para guardar nossos segredos e preservar nosso bom entendimento; não celebrei tratado algum que a isso me obrigue e, hoje em dia, não sou
homem que o aceite. Vossa Majestade compreenderá perfeitamente que um Estado soberano não precisa da ajuda de outro Estado para dirigir os seus negócios.
Decidido a não depender mais do empréstimo da Itália, Menelik começou, então, a resgatá -lo. As relações entre os dois países estavam num beco sem saída.
No decorrer dos debates que se seguiram, o representante da Itália, Antonelli, informou a Menelik que “a Itália não podia, sem quebra de sua dignidade, informar às outras potências que se havia enganado a propósito do artigo 17”.
Ao que a imperatriz Taytu, mulher de Menelik, respondeu: Nós informaremos às outras potências que esse artigo, tal qual está redigido em nossa língua, não tem o mesmo sentido que em italiano. Nós também temos de pensar em nossa dignidade. Desejais fazer passar a Etiópia como vosso protetorado, mas jamais será assim.
Ao fim de vários anos de tergiversações, durante os quais Menelik comprou, principalmente na França e na Rússia, grandes quantidades de armas de fogo e anexou, o mais das vezes pela força, Kaffa, Wolamo, Sidamo, Bale, parte de Ogaden, Gofa, Beni, Changul e terras a leste e a oeste de Boran Oromo (“Galla”), a Etiópia finalmente denunciou o tratado de Wuchale, a 12 de fevereiro de 1893. No dia 27 do mesmo mês, Menelik anunciou o fato às potências europeias e, a respeito das pretensões da Itália, em alusão a uma passagem bíblica declarou: “A Etiópia não precisa de ninguém: ela estende as mãos para Deus”. Podia permitir-se tal linguagem, já que possuía, na ocasião, 82 mil fuzis e 28 canhões.
A guerra entre italianos e etíopes eclodiu em dezembro de 1894, quando o chefe eritreu Batha Hagos se revoltou contra o domínio italiano. No início de janeiro de 1895, os italianos atacaram oras Mangacha, ocupando a maior parte de Tigre.
Menelik ordenou a mobilização a 17 de setembro, marchou para o norte com numeroso exército e conquistou importantes vitórias, a 7 de dezembro em Amba Alagi e no fim do ano em Makalle. Os italianos retiraram-se para Adowa, local onde, após alguns meses de trégua, travou-se o combate decisivo (ver figura 11.8).
A situação de Menelik era bastante boa. Podia contar com o apoio dos eritreus, cujo patriotismo fora exacerbado pelo fato de os italianos terem expropriado terras da Eritréia para instalar colonos.
Os eritreus prontificavam -se a guiar os grupos do imperador e a informá -lo sobre os movimentos do inimigo. Os italianos, em contrapartida, enfrentavam a hostilidade da população e não dispunham sequer de mapas precisos, razão por que andavam constantemente perdidos numa região que lhes era praticamente desconhecida. Não bastasse isso, o exército de Menelik contava com efetivos bem maiores: mais de 100 mil homens armados de fuzis modernos, sem contar os que portavam armas de fogo antigas ou lanças. O inimigo contava apenas com 17 mil homens, sendo 10596 italianos e os demais eritreus. Sua artilharia era ligeiramente superior à de Menelik: 56 canhões contra 40, o que entretanto não constituía vantagem decisiva.
A batalha de Adowa terminou com a estrondosa vitória de Menelik e a derrota total de seus inimigos. Durante os combates morreram 261 oficiais e 2918 suboficiais italianos, e aproximadamente 2 mil askari (soldados eritreus).
Foram dados como desaparecidos 954 soldados italianos; os feridos somavam 470, sem contar 958 askari. No total, mais de 40070 do efetivo italiano foram mortos ou feridos, com perda de 11 mil fuzis e de todos os canhões. A derrota foi praticamente completa.
Como resultado da vitória de Menelik, em 26 de outubro de 1896, os italianos assinaram o tratado de paz de Adis Abeba, que anulava o tratado de Wuchale e reconhecia a completa independência da Etiópia58. E não se sabe por que motivos Menelik não exigiu que os italianos se retirassem da Eritréia, embora houvesse por várias vezes manifestado o desejo de que a Etiópia tivesse acesso ao mar. A fronteira meridional da colônia italiana foi fixada sobre a margem do rio Mareb.
A campanha de Adowa conferiu muito prestígio a Menelik. A França e o Reino Unido enviaram missões diplomáticas para celebrar tratados com ele; os mahdistas do Sudão, o sultão do império otomano e o tzar da Rússia também mandaram embaixadas.
O resultado dessa batalha, a maior vitória de um africano contra um exército europeu desde a época de Aníbal, teve profunda influência na história das relações entre a Europa e a África. A Etiópia ganhou prestígio em toda a região do Mar Vermelho, como observou um viajante polonês, o conde Potocki, para quem os Somali mostravam -se “orgulhosos de serem da mesma raça que seus vizinhos, vitoriosos contra uma grande potência europeia”.
Intelectuais negros do Novo Mundo também manifestaram crescente interesse pela Etiópia, último Estado autóctone independente da África negra. O haitiano Benito Sylvain, um dos primeiros apóstolos do pan-africanismo, fez quatro viagens à Etiópia entre 1889 e 1906, na qualidade de mensageiro do presidente Alexis do Haiti61. E um negro norte-americano de origem cubana, William H. Ellis, esteve lá duas vezes, em 1903 e 1904, para expor diversos projetos de desenvolvimento econômico e de assentamento de negros norte-mericanos.
A influência da Etiópia chegou também à África do Sul, onde, alguns anos antes, a paráfrase da profecia bíblica de que a Etiópia estenderia as mãos para Deus tinha suscitado interesse. Em 1900 foi fundada aí uma Igreja Etíope.
Em 1911, o escritor J. E. Casely Hayford, da Costa do Ouro, deu testemunho do crescente valor da independência da Etiópia ao publicar o livro Ethiopia Unbound (Etiópia Desacorrentada) com a dedicatória “aos filhos da Etiópia do mundo inteiro”. 

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000324.pdf

pgs . 299 - 307

Acesso: 11/05/2018

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