quinta-feira, 26 de abril de 2018

Samori Touré e os franceses

Ao contrário de Ahmadu, Samori Touré optou por uma estratégia de confronto e não de aliança. Embora recorresse igualmente à diplomacia, deu acima de tudo destaque à resistência armada. Em 1881 já tinha feito da “parte meridional as savanas sudanesas, ao longo de toda a grande floresta do oeste da África”, entre o norte da atual Serra Leoa e o rio Sassandra, na Costa do Marfim, um império unificado sob a sua incontestada autoridade.
Ao contrário do império Tukulor, o império Mandinga estava ainda numa fase ascendente em 1882, quando se deu o primeiro embate entre Samori Touré e os franceses. A conquista desta região também havia permitido a Touré criar um poderoso exército, relativamente bem equipado à europeia. Estava dividido em dois corpos: infantaria (ou sofa), que em 1887 contava com 30 mil a 35 mil homens, e cavalaria, que na mesma época não tinha mais que 3 mil homens.
A infantaria estava dividida em unidades permanentes de 10 a 20 homens, conhecidas como sé (pés) ou kulu (turmas), comandadas por um kuntigi (chefe).
Dez sé formavam um bolo (braço), colocado sob o comando de um bolokuntigi.
A cavalaria estava dividida em colunas de 50 homens, chamadas sere. Os bolo, principal força ofensiva, deslocavam -se escoltados pelos sere. Como se tratava de unidades permanentes, estabeleciam -se laços de amizade entre os soldados e de lealdade para com o chefe local e Samori Touré. Este exército, portanto, não demorou a assumir “um caráter quase nacional, em vista da sua notabilíssima homogeneidade. Mas o que sobretudo distinguia o exército de Samori era seu armamento e seu treinamento. Ao contrário da maior parte dos exércitos da África ocidental, o de Samori era praticamente constituído por profissionais armados à custa de seu chefe. Até 1876, as tropas de Samori Touré estavam equipadas com velhas espingardas, que os ferreiros locais eram capazes de consertar.
Mas, a partir de 1876, Samori Touré tratou de procurar armas europeias mais modernas, essencialmente por intermédio de Serra Leoa, para examiná -las com atenção e decidir quais as que se adaptavam melhor às suas necessidades. Foi assim que, a partir de 1885, ele resolveu substituir as espingardas, cujos cartuchos, por demais volumosos, estragavam depressa com a umidade da região, por fuzis Gras, mais bem adaptados ao clima local, com seus cartuchos mais leves, e por Kropatscheks (fuzis Gras de repetição). Ficaria fiel a esses dois modelos durante toda a década de 1880, de tal forma que acabou dispondo de turmas de ferreiros capazes de copiá-los nos menores detalhes. De 1888 em diante, também adquiriu alguns fuzis de tiro rápido e, em 1893, dispunha de cerca de 6 mil dessas armas, que empregou até a sua derrota, em 1898. Em compensação, nunca dispôs de peças de artilharia, o que constituía grave desvantagem nas suas campanhas contra os franceses. Essas armas foram adquiridas graças à venda de marfim e de ouro extraído dos velhos campos auríferos de Bure, ao sul do país, já explorados na época medieval, bem como à troca de escravos e de cavalos na região do Sahel e do Mosi. Bem equipado, o exército de Samori Touré estava igualmente bem treinado e disciplinado e caracterizava -se pelo esprit de corps e pela homogeneidade.
É evidente, então, que Samori Touré estava no ápice do seu poderio quando pela primeira vez entrou em contato com os franceses, em 1882. Em fevereiro desse ano, recebeu a visita do tenente Alakamesa, que lhe comunicou a ordem do comando supremo do Alto Senegal -Níger para que se retirasse de Kenyeran, importante mercado que barrava a Samori Touré o caminho das áreas mandinga.
Como era de esperar, Samori Touré recusou. Isso provocou um ataque de surpresa de Borghis -Desbordes, que teve de bater precipitadamente em retirada. 
O irmão de Samori, Keme Brema, atacou os franceses em Wenyarko, perto de Bamako, em abril. Embora vencedor a 2 de abril, Keme Brema foi batido dez dias mais tarde por tropas francesas bem menos importantes. Desde então, Samori Touré evitou o confronto com os franceses e dirigiu a sua ação para Kenedugu. 
Em 1885, quando Combes ocupa Bure, cujas minas de ouro eram importantes para a economia do seu império, Samori Touré compreendeu a amplitude da ameaça e resolveu desalojar os franceses pela força. Três exércitos, o de Keme Brema, o de Masara Mamadi e o dele próprio, foram encarregados da execução da tarefa. Graças a um vasto movimento de tenazes, Bure foi facilmente retomado e os franceses tiveram de sair precipitadamente para não se verem cercados. Samori Touré decidiu então cultivar relações com os britânicos de Serra Leoa. Depois de ocupar Falaba em 1884, enviou emissários a Freetown, propondo ao governador colocar todo o país sob a proteção do governo britânico. 
Tal oferta era apenas uma manobra de Samori Touré, que não pensava de forma alguma em alienar a sua soberania, mas em obrigar os franceses a respeitá -la, aliando -se a um governo poderoso.
Falhando a manobra, Samori Touré assinou com os franceses, em 28 de março de 1886, um tratado em virtude do qual aceitava recuar as suas tropas para a margem direita do Níger, embora mantendo seus direitos sobre Bure e os Mandingas de Kangaba. Em outro tratado com os franceses, assinado em 25 de março de 1887, que alterava o do ano anterior, Samori cedia a margem esquerda do rio e até aceitava colocar seu país sob o protetorado francês.
Samori Touré talvez tenha assinado este novo documento pensando que os franceses o ajudariam contra Tieba, o faama (rei) de Sikasso, que atacou em abril de 1887, com um exército de 12 mil homens. Ora, os franceses imaginavam apenas impedir qualquer aliança entre Samori Touré e Mainadou Lamine, seu adversário na ocasião. Quando Samori percebeu que, em vez de se comportarem como aliados e ajudá -lo, os franceses encorajavam a dissidência e a rebelião nas regiões recentemente subjugadas, procurando ainda impedir que ele se reabastecesse de armas em Serra Leoa, levantou o cerco em agosto de 1888 e preparou-se para o combate contra o invasor. Reorganizou o exército, concluiu em maio de 1890 com os britânicos, em Serra Leoa, um tratado que o autorizava a comprar armas modernas em quantidades cada vez maiores durante os três anos seguintes, e treinou suas tropas à moda europeia. Foram criadas seções e companhias.
No plano da tática militar resolveu optar pela defensiva. Claro, não se tratava de se pôr ao abrigo das muralhas dos tatas, pois a artilharia não lhe daria a menor possibilidade de êxito. A estratégia dele consistia em imprimir grande mobilidade às suas tropas, para melhor surpreender o inimigo, infligindo -lhe pesadas perdas antes de desaparecer. 
Archinard, que tomara Segu em março de 1890, atacou Samori em março de 1891, na esperança de o derrotar antes de entregar o comando do Alto Senegal-Níger a Humbert. Achava que, ao primeiro choque, o império de Samori Touré viria abaixo.
Mas, embora a sua ofensiva resultasse na tomada de Kankan em 7 de abril e no incêndio de Bisandugu, teve efeito contrário, pois constituiu para Samori Touré um aviso salutar que o incitou a prosseguir nas ofensivas contra os franceses em Kankan, o que lhe permitiu derrotá -los na batalha de Dabadugu, em 3 de setembro de 1891.
O principal confronto entre os franceses e Samori Touré se deu em 1892.
No desejo de pôr fim à questão, Humbert invadiu a parte central do império em janeiro de 1892, à frente de um exército de 1300 atiradores de elite e 3 mil carregadores. Samori Touré comandava em pessoa um exército de 2500 homens escolhidos para enfrentar o invasor. Embora seus homens “se batessem como diabos, defendendo pé a pé cada milímetro do terreno com feroz energia”, para repetir as palavras de Person27, Samori foi batido e Humbert tomou Bisandugu, Sanankoro e Kerwane. Salientemos, porém, que o próprio Humbert devia achar o resultado bem magro, em vista das pesadas perdas que sofreu. Além disso, Samori ordenara à população civil que abandonasse o local à chegada dos franceses.
No entanto, Samori Touré já não alimentava ilusões. Os violentos combates travados contra a coluna do coronel Humbert, que lhe haviam custado um milhar de combatentes de elite, enquanto os franceses não perderam mais que cem homens, tinham -no convencido do absurdo de outro confronto. Portanto, não lhe restava senão render-se ou retirar-se. Recusando capitular, decidiu abandonar a pátria e refugiar-se a leste, para criar aí um novo império, fora do alcance dos europeus. Prosseguindo na política de terra queimada, iniciou a marcha para leste em direção aos rios Bandama e Comoe. Se bem tivesse perdido em 1894, com a estrada de Monróvia, a última via de acesso ao fornecimento de armas modernas, nem por isso abandonou o combate. No começo de 1895, encontrou e rechaçou uma coluna francesa vinda do país Baule, sob o comando de Monteil, e, entre julho de 1895 e janeiro de 1896, ocupou o país Abron (Gyaman) e a parte ocidental de Gondja. Por essa época, já lograra formar um novo império no hinterland da Costa do Marfim e do Ashanti. Em março de 1897, seu filho Sarankenyi -Mori encontrou e bateu, perto de Wa, uma coluna britânica comandada por Henderson, enquanto o próprio Samori Touré atacava e destruía Kong em maio de 1897 e prosseguia avançando até Bobo, onde se deparou com uma coluna francesa comandada por Caudrelier.
Entalado entre os britânicos e os franceses, depois de tentar em vão malquistar uns com os outros, cedendo a estes o território de Bouna, cobiçado por aqueles, Samori Touré resolver regressar à Libéria, para junto de seus aliados Toma. Já a caminho, foi atacado de surpresa por Gouraud em Gelemu, no dia 28 de setembro de 1898. Capturado, foi deportado para o Gabão, onde morreu em 1900. Sua captura pôs termo àquilo que um historiador moderno chamou de “a mais longa série de campanhas contra o mesmo adversário em toda a história da conquista do Sudão pelos franceses”. 

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000324.pdf

Acesso: 26/04/2018

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