sexta-feira, 11 de maio de 2018

Etiópia ... O imperador Tewodros, ou Teodoro, II (1855-1868), restaurou o antigo império da Etiópia ...

O imperador Tewodros, ou Teodoro, II (1855-1868), restaurou o antigo império da Etiópia, dividido havia mais de um século. Nos primeiros anos do seu reinado, Tewodros II refez a unidade do império reduzindo duramente à obediência os poderosos e belicosos feudatários (ras) das províncias de Tigre, Begemdir, Gojam, Simien, Wollo e Shoa, sobre os quais os imperadores fantoches de Gondar quase não tinham poder. Nessas províncias, quase todas situadas no planalto etíope, entre a Eritréia e o vale do Awash, os Agaw, os Amhara e os Tigrina constituíam a maioria da população. Estes povos pertenciam à cultura amárico-tigrina, preponderante na Etiópia, cujas principais características eram o cristianismo monofisista da Igreja Ortodoxa Etíope, o amárico e o tigrino, línguas estreitamente ligadas, uma estrutura sociopolítica “hierarquizada e mantida por pessoas investidas de grande autoridade” e a economia baseada na agricultura. Os camponeses estavam vinculados à terra e presos a uma malha – que se pode qualificar de feudal – de direitos e de serviços determinados pela propriedade do solo. 
Reunidos sob Tewodros, os Amhara e os Tigrina foram, a exemplo de Monróvia e dos outros estabelecimentos américo -liberianos na Libéria, o ponto de partida de uma expansão que englobou, na segunda metade do século XIX, as planícies circundantes habitadas por populações sobre as quais o governo imperial, por várias vezes, tinha exercido uma jurisdição “intermitente e normalmente difícil”. O núcleo formado pelos Amhara e os Tigrina, longe de ser monolítico, estava dividido politicamente por rivalidades regionais e fisicamente por montanhas e ravinas que dificultavam as comunicações e os transportes.
Tewodros esmagara os ras graças à superioridade de seu armamento, de origem estrangeira, mas foi por sua vez derrotado por uma expedição punitiva dos ingleses  em abril de 1867. Tais acontecimentos chocaram os dirigentes da Etiópia, fazendo-os compreender que necessitavam de armas modernas para dominar o império, para se defender dos adversários políticos e dos ataques dos estrangeiros. 
O sucessor de Tewodros, imperador Yohannes, ou João, IV (1871-1889), como veremos, foi obrigado a repelir os ataques dos egípcios e dos mahdistas do Sudão. Sob o reinado de Menelik II (1889-1913) (ver figura 11.3), que coincidiu com a corrida dos europeus para a África, a expansão da Etiópia continuou – com a recuperação das chamadas “regiões históricas”, sua superfície mais que duplicou.
O sistema político etíope estava então já fixado. Compreendia, essencialmente, três níveis: os distritos ou “senhorios”, as províncias e a nação; e três eixos separados: o econômico, o político e o religioso. Os senhores, os governadores e o imperador exerciam o poder no nível, respectivamente, dos distritos, das províncias e do império. Unidos por uma rede de relações hierárquicas, constituíam os pilares do sistema, já que cada um era “ao mesmo tempo chefe da administração, chefe militar, juiz e cortesão”. Regra geral, o imperador nomeava os governadores, que, por sua vez, nomeavam os senhores ou subgovernadores.
O senhor tinha certos direitos, conhecidos como gult: podia exigir um tributo em espécie de cada família do distrito e obrigar os súditos a trabalharem nas suas terras e impor -lhes outras tarefas. Guardando para si uma parte do tributo, remetia o resto a seu suserano, o governador. Adjudicava casos e contendas no distrito, convocava e comandava a milícia local e dirigia os trabalhos públicos úteis para o seu distrito; além disso, zelava para que sua “paróquia”, cujos limites costumavam coincidir com os do distrito, cumprisse suas brigações com a Igreja Ortodoxa Etíope. As contribuições e os serviços que os camponeses, vinculados à terra, base de sua subsistência, deviam aos senhores e à Igreja eram comparativamente mais leves nas províncias dos Amhara e Tigrina. Com efeito, lá as terras estavam submetidas ao sistema de rist: quase todas eram propriedade praticamente inalienável das famílias. O imperador e os governadores, portanto, não podiam distribuí-las a seus protegidos. Em compensação, as obrigações eram pesadas nas regiões do sul e do oeste conquistadas por Menelik, onde os senhores e os naftanya (literalmente, “carabineiros”, colonos do planalto da Abissínia) exploravam duramente o povo através dos direitos e obrigações gult.
O governador tinha funções análogas às do senhor, mas no nível da província.
No núcleo Amhara-Tigre, os governadores, na sua maioria, eram escolhidos entre os parentes próximos do imperador ou no meio dos nobres reputados por sua fidelidade. Nas regiões recentemente conquistadas do sul e do oeste, onde as terras eram inalienáveis, os governadores eram predominantemente nobres ou chefes militares de Amhara, Shoa, Tigre e de outras províncias do norte, que recebiam pelos serviços prestados ao imperador terras de gult (os que não eram nomeados governadores recebiam terras de rist gult). A lealdade ao governador, ou ao imperador, dependia grandemente de sua disponibilidade de terras de gult para recompensa e de um exército bastante forte para manter sua autoridade.
O imperador era o elemento mais importante do sistema imperial. Exercia funções executivas, legislativas e judiciárias, classificadas por Christopher Clapham em funções de “proteção”, “distribuição”, “direção” e “simbólicas”. Comandava em pessoa o seu exército, administrava os negócios do império, prestava justiça e protegia os seus vassalos. Por fim – e talvez fosse essa a função mais importante – era o símbolo da unidade e da independência nacionais, já que se presumia descender do rei Salomão, pelo que recebia a coroa e a unção imperial do abuna, chefe egípcio da Igreja Ortodoxa Etíope.
Faltava ao sistema imperial herdado por Tewodros um verdadeiro “corpo de funcionários”. Com a exceção de alguns cargos de funções bem definidas, como o de tsahafe t’ezaz (secretário imperial), ou de afa -negus (chefe da magistratura), eram o imperador e seus representantes regionais, os governadores e os senhores, que encarnavam a administração imperial. Tewodros desejava criar uma administração em que os governadores nobres fossem substituídos por generais do exército, de origem humilde, pagos pelo Estado, fiéis e submissos ao imperador; mas, governando sempre com rigidez, provocou revoltas em várias províncias, nas quais os novos governadores foram depostos, retomando o poder das famílias nobres.
As semelhanças entre os sistemas políticos da Libéria e da Etiópia nesta análise são demasiado evidentes para que seja necessário insistir nelas. Nos dois países se encontravam, de um lado, um núcleo político e um governo central e, de outro lado, uma zona periférica com subsistemas políticos centrados em circunscrições locais, ou aldeias, como a circunscrição de Gola, na Libéria, ou a de Oromo (“Galla”), na Etiópia, de que não tratamos neste capítulo, com subsistemas que diferiam mais ou menos do sistema central dominante. Para manter o seu domínio, ambos os sistemas concediam privilégios às regiões centrais, alimentavam relações de clientela e assimilavam as regiões periféricas. Não obstante, enquanto o regime político da Etiópia era em grande parte um regime “africano”, pois não havia partidos políticos nem parlamento – Tewodros, Yohannes e Menelik subiram ao trono graças à sua superioridade militar e não através de eleições –, o governo central da Libéria era, de todos os pontos de vista, de tipo ocidental. Seja como for, ambos possuíam ou desenvolveram meios de resistir às agressões dos europeus na época da corrida e da partilha da África. 

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000324.pdf

pgs. 289 - 292

Acesso: 11/05/2018

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